sábado, 23 de abril de 2011

O PÔR DA LUA


Hoje estou com uma  tristeza mansa e bonita. Acabo de contemplar um pôr-da-lua..

Ah! Você nunca viu ninguém falar sobre "pôr-da-lua”? Nem eu. Os poetas falam muito sobre o pôr-do-soL "Mas eu fico triste como um pôr-do-sol”, escreveu Alberto Caeiro. E Wordsworth, nos seus versos famosos: «As nuvens que se juntam ao redor do sol que se põe/ ganham suas cores solenes/ de olhos que têm atentamente/ montado guarda sobre a mortalidade humana”. E Browning: “Quando nos sentimos mais seguros, então acontece algo: um pôr-do-soL E outra vez estamos perdidos». E Bachelar: A vela que se apaga é um sol que morre. A vela morre mesmo mais suavemente que o astro celeste"".
Os pores-do-sol nos comovem porque somos seres diurnos. O pôr-do-sol é o fim do dia. Metáfora do fim da vida. Daí a sua tristeza. E se fôssemos seres noturnos, aves para as quais o pôr-do-sol não é o fim, mas o inicio início da noite? Então o sol poente anunciaria a madrugada da noite, o nascer do viver.
Põe-se o sol; nasce a lua. Com a lua nascente, para os seres noturnos, começa o tempo da vida, o tempo do amor. O cri-cri dos grilos, o coaxar dos sapos, o pio das corujas, o piscar dos vaga-lumes e o vôo frenético das mariposas. Pulsações de uma vida que desperta quando a noite cai e a lua nasce. Então, para os seres noturnos, um pôr-da-lua deve ter a mesma beleza triste que tem um pôr-do-sol para os seres diurnos.
Entre nós, humanos, não haverá seres noturnos? Indo um pouco mais fundo: não haverá em todos nós um ser noturno que aparece quando o ser diurno vai dormir? O sol desperta em nós o ser que pensa, age e trabalha. A rua desperta o ser que sonha, contempla e ama. Fala a Cecília sobre a lua que envolve os noivos abraçados. Ah! Como o verso ficaria ridículo se, em vez de lua, ela dissesse sol! A luz da lua desperta em nós o ser tranqüilo. Parodiando Bachelard: «Quer ficar tranqüilo? Contemple a lua que faz mansamente o seu trabalho de luz”. Há recantos da alma que só acordam sob a luz branca e fria da lua. Ouça os “Noturnos”, de Chopin, e sua nostálgica beleza. Como o seu nome diz, foi no silêncio da noite que Chopin os ouviu. E o “Clair de Lune”, de Debussy?
A arte é um ser noturno. Ela só acorda quando o sol se põe e a noite desce. Ela só  vê bem na escuridão. A  luz do sol a ofusca. Por isso, durante o dia, ela fica em silêncio, deixando que outros falem. Descendo a noite, entretanto, os homens se põem a sonhar e a amar. É ai, em meio ao sonhar e ao amar, que a arte acorda e se põe a cantar o seu canto manso de coruja de Minerva. Brilham luzes suaves na noite escura do inconsciente: estrelas, vaga-lumes, meteoros e luas, muitas luas... Quando essas luzes brilham, acordam os artistas, os poetas, os místicos e os intérpretes de sonhos. 
A ARTE é um exercício de poesia. Não admira que Freud tenha encontrado iluminação para a sua arte não na ciência, mas na literatura. Somos literatura. Cada pessoa é um poema encarnado. Somos textos da literatura e da poesia do corpo. A nossa infelicidade —neurose, se quiserem— se deve ao fato de que nos esquecemos do poema que está em nós inscrito.
O artista é o intérprete do poema estrangulado. Intérprete não no seu sentido comum, de alguém que diz em linguagem diurna o que o corpo diz em linguagem noturna. Essa é interpretação, necessária quando se trata de esclarecer obscuridades diurnas, de inspiração cartesiana, filosófica. Mas há um outro sentido para a palavra “interpretação”, que nos vem da música. O pianista lê a partitura silenciosa, deixa-se ser possuído por ela e, possuído, ele a “interpreta” ao piano: realiza-a como música, tornando sensível a beleza.
Pois nós somos partituras que nós mesmos não sabemos interpretar. O
 oficio do artista: ele lê a partitura misteriosa que nós mesmos não entendemos e interpreta-a para que, ouvindo a nossa própria beleza, sejamos por ela libertados.







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