sexta-feira, 17 de setembro de 2010

NEOQEAV


 "NEOQEAV"

                  Meus avós já estavam casados há mais de cinqüenta anos e continuavam      jogando um jogo que haviam iniciado quando começaram a namorar. 

              A regra do jogo era que um tinha que escrever a palavra "Neoqeav" num lugar inesperado para o outro encontrar e assim quem a encontrasse 
 deveria escrevê-la em outro lugar e assim sucessivamente. 

             Eles se revezavam deixando "Neoqeav" escrita por toda a casa, e assim que um a encontrava era sua vez de escondê-la em outro local para o outro achar. 

                    Eles escreviam "Neoqeav" com os dedos no açúcar dentro do açucareiro ou no pote de farinha para que o próximo que fosse cozinhar a achasse. 
            Escreviam na janela embaçada pelo sereno que dava para o pátio onde minha avó 
 nos dava pudim que ela fazia com tanto carinho. 

             "Neoqeav" era escrita no vapor deixado no espelho depois de um banho quente, onde a palavra iria reaparecer depois do próximo banho. 

                Uma vez, minha avó até desenrolou um rolo inteiro de papel higiênico para deixar "Neoqeav" na última folha e enrolou tudo de novo. 

Não havia limites para onde "Neoqeav" pudesse surgir. 

                    Pedacinhos de papel com "Neoqeav" rabiscado apareciam grudados no volante do carro que eles dividiam. 

                       Os bilhetes eram enfiados dentro dos sapatos e deixados debaixo dos travesseiros. 
        
                         "Neoqeav" era escrita com os dedos na poeira sobre as prateleiras e nas cinzas da lareira
                    . Esta misteriosa palavra tanto fazia parte da casa de meus avós quanto da mobília.
                   Levou bastante tempo para eu passar a entender e gostar completamente deste jogo que eles jogavam. 
                                  Meu ceticismo nunca me deixou acreditar em um único e verdadeiro amor, que possa ser realmente puro e duradouro. 

Porém, eu nunca duvidei do amor entre meus avós. 

Este amor era profundo.
 Era mais do que um jogo de diversão, era um modo de vida. 

                     Seu relacionamento era baseado em devoção e uma afeição apaixonada, igual as quais nem todo mundo tem a sorte de experimentar.
 O vovô e a vovó ficavam de mãos dadas sempre que podiam. 

                 Roubavam beijos um do outro sempre que se batiam um contra outro naquela cozinha tão pequena.
                Eles conseguiam terminar a frase incompleta do outro e todo dia resolviam    juntos as palavras cruzadas do jornal. 
                     Minha avó cochichava para mim dizendo o quanto meu avô era bonito, como ele havia se tornado um velho bonito e charmoso. 

               Ela se gabava de dizer que sabia como pegar os namorados mais bonitos. 

                                    Antes de cada refeição eles se reverenciavam e davam graças a     Deus e bençãos aos presentes por sermos uma família maravilhosa,
 para continuarmos sempre unidos e com boa sorte. 

                                Mas uma nuvem escura surgiu na vida de meus avós: minha avó tinha câncer de mama. 
 A doença tinha primeiro aparecido dez anos antes. 

Como sempre, vovô estava com ela a cada momento. 

                                       Ele a confortava no quarto amarelo deles, que ele havia pintado dessa cor para que ela ficasse sempre rodeada da luz do sol, 
 mesmo quando ela não tivesse forças para sair. 

O câncer agora estava de novo atacando seu corpo. 

                              Com a ajuda de uma bengala e a mão firme do meu avô, eles iam à igreja toda manhã.
                                   E minha avó foi ficando cada vez mais fraca, até que, finalmente, ela  não mais podia sair de casa.
                                    Por algum tempo, meu avô resolveu ir à igreja sozinho, rezando a Deus para zelar por sua esposa. 
Então, o que todos nós temíamos aconteceu. 

Vovó partiu. 

                                    "Neoqeav"foi gravada em amarelo nas fitas cor-de-rosa dos buquês de flores do funeral da vovó. 

                        Quando os amigos começaram a ir embora, minhas tias, tios, primos e outras pessoas da família se juntaram e ficaram
 ao redor da vovó pela última vez. 

Vovô ficou bem junto do caixão da vovó e, num suspiro bem
 profundo,
 começou a cantar para ela. 

                            Através de suas lágrimas e pesar, a música surgiu como uma canção de ninar que vinha bem de dentro de seu ser.
                      Me sentindo muito triste, nunca vou me esquecer daquele momento. 
                      Porque eu sabia que mesmo sem ainda poder entender completamente a profundeza daquele amor, eu tinha tido o privilégio de
 testemunhar a beleza sem igual que aquilo representava. 

Aposto que a esta altura você deve estar se perguntando: 

"Mas o que Neoqeav significa?" 

Nunca Esqueça O Quanto Eu Amo Você = "NEOQEAV

A MARIPOSA E A ESTRELA


  Conta a lenda que uma jovem mariposa de corpo frágil e alma
                    sensível voava ao sabor do vento certa tarde, quando viu uma estrela
                    muito brilhante e se apaixonou.
                  Voltou imediatamente para casa, louca para contar à mãe que havia
                 descoberto o que era o amor, mas a mãe lhe disse friamente:
                          que bobagem! As estrelas não foram feitas para que as mariposas possam
                            voar em torno delas. Procure um poste ou um abajur e se apaixone por algo assim; para isso nós fomos criadas.
                          Decepcionada, a mariposa resolveu simplesmente ignorar o comentário
                             da mãe e permitiu-se ficar de novo alegre com a sua descoberta e pensava: que maravilha poder sonhar!
                              Na noite seguinte, a estrela continuava no mesmo lugar, e ela decidiu que iria
                           subir até o céu, voar em torno daquela luz radiante e demonstrar seu amor. 
                           Foi muito difícil ir além da altura com a qual estava acostumada,
                             mas conseguiu subir alguns metros acima do seu vôo normal.
                               Entendeu que, se cada dia progredisse um pouquinho, iria terminar
                                 chegando à estrela, então armou-se de paciência e começou a tentar vencer a distância que a separava de seu amor.
                               Esperava com ansiedade que a noite descesse e, quando via os primeiros         raios da estrela, batia ansiosamente suas
 asas em direção ao firmamento.
                           Sua mãe ficava cada vez mais furiosa e dizia: estou muito decepcionada com a 
                     minha filha. Todas as suas irmãs e primas já têm lindas queimaduras nas asas,
                          provocadas por lâmpadas! Você devia deixar de lado esses sonhos inúteis e arranjar um amor que possa atingir.
                        A jovem mariposa, irritada porque ninguém respeitava o que sentia,  resolveu sair de casa.  
                            Mas, no fundo, como, aliás, sempre acontece, ficou marcada pelas palavras da mãe e achou que ela tinha razão

                        Por algum tempo, tentou esquecer a estrela, mas seu coração não      conseguia esquecer a estrela e, depois de ver que a vida sem o seu
 verdadeiro amor não tinha sentido e resolveu retomar
 sua caminhada em direção ao céu.
               Noite após noite, tentava voar o mais alto possível, mas, quando a manhã chegava, estava com o corpo gelado e a alma mergulhada 
na tristeza.  
                  Entretanto, à medida que ia ficando mais velha, passou a prestar atenção a tudo que via à sua volta.
               Lá do alto podia enxergar as cidades cheias de luzes, onde provavelmente suas primas e irmãs já tinham encontrado um amor,
 mas, ao ver as montanhas,
 os oceanos e as nuvens que mudavam de forma 
a cada minuto,  a mariposa
 começou  a amar cada vez mais sua estrela, 
porque era ela quem a empurrava 
 para ver um mundo tão rico e tão lindo.
Muito tempo depois resolveu voltar à sua casa e aí soube
 pelos vizinhos que sua mãe, suas irmãs e primas tinham morrido
 queimadas nas lâmpadas e nas chamas das velas,
 destruídas pelo amor que julgavam fácil.
A mariposa, embora jamais tenha conseguido chegar
 à sua estrela, viveu muitos anos ainda, descobrindo que,
 às vezes, os amores difíceis e impossíveis trazem muito mais alegrias e
 benefícios que aqueles amores fáceis e que estão ao alcance de nossas mãos.
Com esta lenda aprendemos duas coisas: valorizar o amor
 e lutar pelos nossos sonhos, porque sabemos que é a
 realização deles que nos faz feliz e lembremos:
O mundo está nas mãos daqueles que têm coragem de
 sonhar, e correr o risco de viver seus sonhos.




sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A PIPA E A FLOR



A PIPA E A FLOR...

Era uma vez um menino que construiu uma pipa.
Ele a  fez e estava alegre, e imaginou que a pipa também estivesse.
 Por isto fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho:
 2 olhos, um nariz, uma boca...
                    O pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
                    Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.
                    "Vocês não me pegam, vocês não me pegam..."
                    E, enquanto ria, sacudia o rabo em desafio.
                    Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o menino consertou, colando um remendo da mesma cor.
  Amigos, tinha aos montões
. E os seus olhos iam agradando à todos eles, sempre com aquela risada gostosa, contando casos...
                    Mas aconteceu um dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhar para baixo e viu, lá num quintal, uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os olhos...
                    Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a gente como se fossem mãos.
                    Outros, dão medo, ameaçam, acusam, e quando a gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim por dentro. Tem também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam...
                    A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse.
                    Ah ! Ela era tão maravilhosa. Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...
                    E assim, resolveu mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão, arrebentou a linha e foi cair devagarinho, ao lado da flor.
                    E deu a sua linha para ela segurar.
                    Ela segurou forte.
                    Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima ela conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria estórias que ela pudesse dormir.
                    E ela pediu:
                    "Florzinha, me solta..."
                    E a florzinha soltou.
                    A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá em baixo.
                    Mas a flor, aqui debaixo, percebeu que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto e ela tivesse de ficar plantada no chão. E teve inveja da pipa.
                    Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si. E ela, flor, sozinha deixada de fora.
                    "Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo..."
                    E à inveja juntou-se o ciúme.
                    Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm e nós não.
                    Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, 
sem que a gente esteja com ele.
                    E a flor começou  a ficar malvada.
                    Ficava emburrada quando a pipa chegava.
                    Exigia explicações de tudo.
   E a pipa começou a ficar com medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer.
                    E a flor foi, aos poucos, encurtando a linha.
                    A pipa não mais podia voar.
                    Via, ali de baixinho, de sobre o quintal ( esta era toda a distância que a flor lhe permitia voar ) as outras pipas, lá em cima...
                    E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor, como no início...
                    Esta estória não terminou.
                    Está acontecendo agora, em algum lugar...
                    E há 3 jeitos de escrever o seu fim
.
                    Você é que vai escolher.


1.   A pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.
                    "Não vou te incomodar com meus risos, flor, mas também não vou te dar a alegria de meu sorriso..."
                    E assim ficou amarrada à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de vôos e nos risos de outros tempos.

2.   A flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E, aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isto aconteceu, o feitiço se quebrou e ela voou, agora como borboleta, para o alto e os dois, pipa e borboleta puderam brincar juntos...



3.   A pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos braços da flor. Porque aqueles eram braços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo 

de uma distração da flor, arrebentou a linha e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas...

Estou esperando..precisamos dar um fim a essa estoria..me ajudem




A PIPA E A FLOR (prólogo)

 

A PIPA E A FLOR (PRÓLOGO)

                       Fiquei triste vendo aquela pipa enroscada no galho da árvore. Rasgada, ela girava e girava, ao vento, como se quisesse escapulir. Mas não adiantava. Você já viu aqueles bichinhos de asas, quando eles caem em teias de aranha ?  Era daquele jeito. 
                       Tive dó. Pipa não foi feita para acabar assim.
                        Pipa foi feita para voar.
                      E é tão bonito quando a gente as vê, lá no alto...
  Eu sempre quis ser uma pipa. Bem leve, sem levar nas costas nada que pese ( o que é pesado puxa a gente para baixo... ) Papel de seda, taquara fina que enverga, mas não quebra, linha forte, um pouquinho de cola e, pronto ! Lá está a pipa, pronta pra voar...
                    As cores e as formas ( que são tantas ! ) a gente escolhe aquelas que o coração está pedindo. Pipa, pra ser boa, tem que se parecer com os nossos desejos. ( E eu penso que as pessoas também, para serem boas, tem de ter uma pipa solta dentro delas...)
                    Não é preciso vento forte. Uma brisa mansinha deve levá-la até lá em cima, perto das nuvens. É por isso que elas têm de ser bem leves. O vento chega, as folhas das árvores tremem, e lá vão elas subindo, pra dentro do vazio do céu...
                    Só que tem uma coisa gozada. Pipa, pra subir, tem de estar amarrada na ponta de uma linha. E a outra ponta é uma mão que segura. É assim que a pipa conversa, através da linha. A mão puxa a linha e sente a linha firme, puxando pra cima, querendo ir.
                    E a pipa dizendo:
                    "Me deixa ir um pouco mais..."
                    Mas se a linha responde frouxa, é a pipa dizendo que está sem companheiro, o vento foi embora, e ela quer voltar pra casa...
                    Quando eu era menina, e me lembro, havia um homem...
                    Justo quando as pipas estavam lá em cima batizadas, carretilha sem mais linha para dar, ele vinha e comprava as pipas dos meninos. Pagava o preço justo.  Só que o gosto dele era cortar a linha. Quem nunca brincou com elas vai pensar que, com a linha cortada, vão subir cada vez mais alto, nas costas do vento, sem nada que as segure. Mas não é assim. Quando a linha arrebenta, começam a cair. E vão caindo sempre, cada vez mais longe, tristes, abanando as cabeças...


                                                                                                                                Rubem Alves